segunda-feira, 30 de maio de 2016

Neurociência é aliada na preparação do professor para a sala de aula-PORVIR


Especialistas defendem que os futuros profissionais de educação conheçam o funcionamento do cérebro para melhorar suas práticas e lidar com potencialidades e dificuldades dos alunos

por Marina Lopes 14 de janeiro de 2016

Neurociência é aliada na preparação do professor para a sala de aula-PORVIR


Falta de atenção, dificuldade para aprender e desmotivação são algumas situações frequentes que os professores se deparam quando estão na sala de aula. Se o desafio já costuma ser grande para educadores com anos de experiência, imagina para quem acabou de sair de um curso de pedagogia ou das demais licenciaturas. Como preparar os futuros educadores para lidar com esses desafios? A neurociência é um caminho.

Para a professora Leonor Guerra, do departamento de morfologia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), compreender melhor o funcionamento do processo de aprendizagem ajuda avaliar estratégias pedagógicas que impactam na forma como os alunos aprendem. “Por que todo mundo não aprende igual? Isso tem a ver com a nossa biologia. Entender as limitações e o potencial de um aluno pode trazer uma contribuição boa para quem está começando sua vida na área da educação”, explica a médica e especialista em neuropsicologia.

Não é difícil encontrar cursos de formação continuada que já começaram a trabalhar noções de neurociência com educadores. No entanto, quando o assunto é formação inicial, esse campo de conhecimento ainda parece estar muito distante de boa parte das instituições de ensino superior. Segundo Guerra, muitos cursos ainda são resistentes a discutir as bases neurobiológicas. “A impressão que tenho é que eles acham que isso vai biologizar a questão da aprendizagem”, diz.

A neurocientista afirma que é importante compreender diferentes perspectivas sobre o processo de aprendizagem, sejam elas biológicas ou sociais. Na coordenação do projeto NeuroEduca, iniciativa de extensão da UFMG, ela ministra palestras e oficinas de formação que apresentam noções básicas de neurociência para educadores.
Entender as limitações e o potencial de um aluno pode trazer uma contribuição boa para quem está começando sua vida na área da educação

Embora o projeto tenha atuação principal na formação continuada, Guerra afirma já ter realizado atividades com os alunos de cursos de pedagogia. De acordo com ela, a matriz curricular de muitos cursos ainda não inclui esse tópico de forma sistematizada. “Se para a educação continuada está sendo importante, por que não inserimos na formação inicial do educador?”, questiona, ao mencionar que neste período o aluno da graduação pode construir suas concepções de aprendizagem e estabelecer relações entre conhecimentos da neurociência com a leitura de teóricos da educação.

Em São Paulo, o programa Cuca Legal também tem investido em trazer esses conhecimentos para a realidade de educadores. Coordenado pela neuropsicóloga Adriana Fóz, o projeto é composto por uma equipe interdisciplinar da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), que promove cursos, estratégias e programas educacionais que desenvolvem atividades sobre o funcionamento do cérebro e o desenvolvimento socioemocional dos alunos.

Para a neuropsicóloga, a neurociência pode ser uma grande aliada para o trabalho do professor, principalmente quando ele tem contato com esse conhecimento desde o período da sua formação. “O professor ter o conhecimento e o aval dessa ciência vai nortear bastante o trabalho dele. Vai ser interessante porque vai poder corroborar com aquilo que ele já sabe por intuição ou experiência”, afirma Foz. Durante as formações de educação emocional, por exemplo, os educadores são estimulados a perceber importância que as emoções exercem sobre o processo educacional, principalmente a emoção transmitida pelo próprio educador. “Quando eles nos perguntam de onde vem a emoção, começamos a introduzir as questões da neurociência.”

Da universidade para a escola

Na UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto), em Minas Gerais, uma experiência que envolve conhecimentos de neurociência tem aproximado alunos da graduação de escolas de educação básica da região. A partir de estudos sobre o funcionamento do cérebro e o processo de aprendizagem, universitários visitam escolas vizinhas para fazer o acompanhamento de crianças com deficiência.

Após fazerem observações sobre o desenvolvimento e a participação dos estudantes, eles levam as anotações para discutir na universidade. Com base em pesquisas, conhecimentos da neurociência e estudos sobre os casos, os futuros educadores propõem intervenções que o professor da educação básica poderia colocar em prática para auxiliar o seu aluno, como perceber quais são as maiores dificuldades da criança e valorizar atividades que estimulam os seus principais potenciais.
Os conhecimentos da neurociência têm se mostrado muito importantes para o campo da educação. Eles não resolvem o problema, assim como qualquer outro conhecimento, mas ajudam a pensar educação de outra maneira

“Os conhecimentos da neurociência têm se mostrado muito importantes para o campo da educação. Eles não resolvem o problema, assim como qualquer outro conhecimento, mas ajudam a pensar educação de outra maneira. A neurociência traz a possiblidade de entender como o cérebro reage na interação com o ambiente. Para nós, que trabalhamos com aprendizagem, isso faz toda a diferença”, conta o professor Marco Antonio Melo Franco, idealizador e coordenador do projeto.

O projeto, que hoje está inserido na modalidade de extensão, começou a ser desenvolvido em 2012. Segundo Franco, a experiência já tem apresentado bons resultados, que incluem maior aproximação dos universitários com a realidade da sala de aula e mudanças de postura dos professores da educação básica. “No momento em que eles entendem como a criança está pensando e quais são os processos que ela desenvolve enquanto se relaciona com os conhecimentos escolares, ele pode reelaborar metodologias para lidar melhor com esses alunos”, exemplifica.

De acordo com o professor, a UFOP tem passado por período de reforma no seu currículo de pedagogia. A proposta é que a nova matriz trate da aprendizagem como um elemento central. Além disso, também existe a possibilidade de incorporar uma disciplina eletiva de neurociência e educação. “Estão surgindo novas possiblidades de atuação pedagógica que levam em conta o funcionamento do cérebro, mas eu acho que nós ainda temos um longo caminho para percorrer no diálogo entre a neurociência e educação.”


Fonte: Porvir
Contribuição da aluna M.L.

domingo, 29 de maio de 2016

“O homem está evoluindo para conciliar a emoção e a razão”, diz António Damásio

 Em entrevista a VEJA, o neurocientista português António Damásio fala sobre como as emoções e sentimentos são essenciais ao influenciar a tomada de decisões e moldar a razão humana.

Por JULIA CARVALHO

29 jun 2013, 19h08 - Atualizado em 6 maio 2016, 16h19 


O neurocientista português António Damásio (Franziska Krug/Getty Images/VEJA) 

O português António Damásio, 69 anos, é um dos maiores nomes da neurociência na atualidade. Radicado nos Estados Unidos desde a década de 70, e professor da University of Southern California, em Los
Angeles, onde dirige o Instituto do Cérebro e da Criatividade, ele conduziu pesquisas que ajudaram a desvendar a base neurológica das emoções, demontrando que elas têm um papel central no armazenamento
de informações e no processo de tomada de decisões. Seus livros O Erro de Descartes (1994), O mistério da Consciência (1999), Em Busca de Espinosa (2003) e E o Cérebro Criou o Homem (2009), todos publicados no Brasil pela Cia. das Letras, tratam principalmente do papel das emoções e sentimentos na razão humana e quais são os processos que produzem o fenômeno da consciência. Em visita ao Brasil para participar da série de palestras Fronteiras do Pensamento, Damásio falou a VEJA.

Na introdução de seu último livro, O Cérebro criou o Homem, o senhor diz que acabou se desapontando com algumas de suas abordagens ao longo do tempo e decidiu começar seu trabalho de novo. Quais foram as descobertas que o levaram a repensar sua pesquisa?
Ao longo desses anos todos, o estudo sobre a estrutura do cérebro avançou muito e ajudou a entender melhor certas operações, como a memória e a consciência. Além disso, por meio das minhas pesquisas pude perceber a importância das emoções e dos sentimentos na construção do nosso raciocínio. Para ter o que chamamos de consciência básica é preciso ter sentimentos. Isto é, é preciso que o cérebro seja capaz de representar aquilo que se passa no corpo e fora dele de uma forma muito detalhada. É daí que nasce a rocha sobre a qual a mente forma sua base e se edifica.

O que é a mente?
Ela é uma sucessão de representações criadas através de sistemas visuais, auditivos, táteis e, muito frequentemente, das informações fornecidas pelo próprio corpo sobre o que está acontecendo com ele – quais músculos estão se contraindo, em que ritmo o coração está batendo e assim por diante. Em resumo: a mente é um filme sobre o que se passa no corpo e no mundo a sua volta.

Qual a diferença entre emoção e sentimento?  
A emoção é um conjunto de todas as respostas motoras que o cérebro faz aparecer no corpo em resposta a algum evento. É um programa de movimentos como a aceleração ou desaceleração do batimento do coração, tensão ou relaxamento dos músculos e assim por diante. Existe um programa para o medo, um para a raiva, outro para a compaixão etc. Já o sentimento é a forma como a mente vai interpretar todo esse conjunto de movimentos. Ele é a experiência mental daquilo tudo. Alguns sentimentos não têm a ver com a emoção, mas sempre têm a ver os movimentos do corpo. Por exemplo, quando você sente fome, isso é uma interpretação da mente de que o nível de glicose no sangue está baixando e você precisa se alimentar.

O senhor diz que as emoções desempenham um papel muito importante no desenvolvimento do raciocínio e na tomada de decisões. Que papel é esse?  
Há certas decisões que são evidentemente feitas pela própria emoção. Quando há uma situação de medo, ele aconselha um entre dois tipos de decisão: correr para longe do perigo ou permanecer quieto para não ser notado. Há também decisões muito mais complexas, como, por exemplo, aceitar ou não um convite para jantar. Nesse caso, a emoção tem um papel de primeiro conselheiro, um primeiro indicador do que se deve fazer. Você pode querer ir, mas ao mesmo tempo há qualquer coisa no comportamento da pessoa que o faz desconfiar de que ela pode não ser sincera. E o que é isto? É uma reação emotiva, a emoção participando da sua decisão.

Então é a emoção que nos fornece o que chamamos popularmente de instinto ou sexto sentido?
Instinto é uma palavra que deve ser reservada para certas coisas muito fundamentais, como o instinto sexual ou de alimentação. Eu diria que a emoção fornece incentivos. As emoções, quer as positivas quer as negativas, podem ter uma enorme influência naquilo que nós pensamos. Mesmo as pessoas que se dizem muito racionais não podem separar as duas coisas. Por exemplo: imaginemos que um chefe esteja entrevistando uma pessoa para uma vaga. O currículo da pessoa é ótimo e as referências também, mas algo diz que ela não vai dar certo na empresa. Esse ‘algo me diz’ é a emoção falando. Algo no comportamento dessa pessoa evoca uma emoção negativa que leva o chefe a ficar com um pé atrás.

O que pode causar essa desconfiança?  
O ser humano avalia uma outra pessoa principalmente pela voz e pela expressão facial dela. Assim, a forma como a pessoa olha para você pode parecer insolente; ou um jeito de mexer a boca faz parecer que ela não é sincera.

Se toda a nossa percepção do mundo é afetada pela emoção, como podemos confiar nos nossos julgamentos?  
As emoções foram extremamente bem sucedidas, ao longo da evolução, em nos manter vivos. O medo fez com que nos expuséssemos menos ao perigo e tivéssemos mais chance de sobreviver. A alegria nos deu incentivo para fazer o que precisamos para prosperar: exercitar a mente, inventar soluções para problemas, comer, nos reproduzir. Emoções como a compaixão, a culpa e a vergonha são importantes porque orientam nosso comportamento moral. Se você fizer qualquer coisa que não está correta em relação a outra pessoa, vai se sentir envergonhado e terá um sentimento de culpa. Isso é muito importante porque vai ajudar a manter a sua conduta de acordo com a convivência em sociedade. Uma coisa que falta aos psicopatas é exatamente esse sentimento de culpa, de vergonha. Os sentimentos são, portanto, fundamentais para organizar a sociedade e foram fundamentais para a formação dos sistemas moral e judicial. Mas as emoções por si só têm limites. Para vivermos em sociedade no século XXI, precisamos muitas vezes ser capazes de criticar as nossas próprias emoções e dizer não a elas. E a única maneira de ultrapassar as emoções é o conhecimento: saber analisar as situações com grande pormenor, ser capaz de raciocinar sobre elas e decidir quando uma emoção não é vantajosa. Há um nível básico em que as emoções ajudam, e se você não tem esse nível você é um psicopata. Mas há um nível mais elevado em que as emoções têm de ser não as conselheiras, mas as aconselhadas.

As emoções são condicionadas pela vivência em sociedade?  
As emoções são em grande parte inatas, mas nos primeiros anos de vida são condicionadas e sintonizadas com a sociedade. Alguns mamíferos têm emoções mais elevadas, como a compaixão, especialmente na relação entre mães e filhos. As mães de cães e lobos tratam seus filhotes com um carinho que é emocional e é totalmente inato, ninguém as ensinou. Há elefantes que quando perdem um companheiro ficam não só tristes como deixam de brincar e são capazes até de fazer uma espécie de luto. Claro que nada disso foi ensinado, é tudo inato. O que acontece com os seres humanos é que esses programas inatos têm sido, através de milhares de anos, refinados e melhorados por aspectos sócio-culturais. Hoje em dia, evidentemente, nossa estrutura moral não é inata. Ela tem sido condicionada pela história da nossa sociedade com elementos que têm a ver com a religião, a justiça e a economia, estruturas que são resultado da vida humana em sociedades complexas.

Se as emoções podem moldar o raciocínio, o oposto pode acontecer? Isto é, o raciocínio pode alterar nossas emoções? 
Claro, e é aí que está a grande beleza e a grande complicação dos seres humanos. É aí que você vai encontrar todos os grandes dramas da história, aquilo que Sófocles ou Shakespeare captaram em suas peças. Os grandes dramas de reis e rainhas, príncipes e plebeus, é o constante conflito entre aquilo que são os conselhos da emoção e do instinto, por um lado, e a influência que vem do raciocínio, do conhecimento e da reflexão. Essa é a grande base da tragédia grega ou shakespeariana. Nós, na medida em que as sociedades evoluem, estamos caminhando para uma maior harmonia entre o lado emocional e instintivo e o lado racional e de reflexão. Essa harmonia ainda não se estabeleceu e não vai acontecer nem na minha geração nem na sua. É um trabalho por se concluir. Mas um dia, a convivência em sociedade, que exige que se ponha razão e emoção na balança o tempo inteiro, vai conseguir equilibrar os dois lados.

E como ocorre esse condicionamento das emoções?  
É nos primeiros anos de vida que podemos inculcar valores e formas de raciocínio através da repetição de exemplos. Eles são o alicerce da construção da nossa moral. Do ponto de vista do cérebro isso é muito curioso porque é quase uma negociação entre suas partes. Há partes muito antigas em termos de evolução, como o tronco cerebral, e muito mais recentes, como o córtex cerebral. No córtex cerebral estão as grandes representações que constroem a mente: visão, audição, tato. Todas essas representações se constroem ali, e da ligação entre elas se dá o raciocínio. Mas o córtex cerebral precisa negociar com regiões do cérebro que estão no tronco cerebral e são as responsáveis pelos impulsos e as reações rápidas. É dessa negociação que surge o conceito de que algo é permitido ou não. Você repete, repete, repete até que as duas partes entrem em consenso.

É possível recondicionar os sentimentos já na vida adulta?  
É possível, porém é muito mais difícil e nem sempre é um trabalho bem sucedido. Se você tem uma pessoa que começou a vida como um sociopata, é extraordinariamente difícil tornar essa pessoa um ser normal em relação a comportamento social. Isto porque seria necessário fazer todo o processo que se faz numa criança, mas o paciente já tem autonomia para não aceitá-lo.

Como raciocinamos melhor? Felizes ou tristes? 
A felicidade está ligada a certas moléculas químicas e a tristeza a outras. Quando estamos felizes as imagens se sucedem com mais rapidez e se associam mais facilmente. Na tristeza as imagens passam muito mais devagar e ficam como que impressas ali por um tempo. O ponto ideal para a efetividade do raciocínio é a felicidade com uma ponta de tristeza – porque na euforia, o pensamento se embaralha.


Contribuição da aluna I.S.

sexta-feira, 27 de maio de 2016

6 falhas mais comuns do pensamento-Superinteressante!

Que a mente humana é capaz de processar uma quantidade incrível de estímulos, todo mundo sabe. Mas o fato é que a nossa cognição (o processo responsável por processar e armazenar informações) não é perfeita, o que resulta em várias distorções no raciocínio. Essas falhas do pensamento acontecem com todo mundo – o que vai fazer a diferença é o modo como cada um lida com elas. Listamos aqui 6 das mais comuns (e interessantes). Dê uma olhada e depois diga se já não aconteceram com você.

UM ROSTO NA TOMADA? (FOTO: GRENDELKHAN
 / FLICKR / CREATIVE COMMONS)


1- Pareidolia
Sabe quando alguém cisma que está vendo a imagem de um santo em uma mancha na janela ou quando você distingue o formato de animais em nuvens? Esse fenômeno se chama pareidolia e acontece quando interpretamos um estímulo totalmente vago (uma imagem, som ou outros tipos de sinais) como algo cheio de significado. Tudo por causa da mania do cérebro em procurar padrões em tudo. O teste de Rorschach – aquele das pranchas com manchas de tinta em que você tem de dizer o que está vendo – foi criado para explorar a pareidolia e sua possibilidade de revelar o que há na mente das pessoas... para ler a reportagem completa clique aqui.

*Contribuição da aluna D.M.

domingo, 22 de maio de 2016

Seu azul é o meu vermelho?



"Quando você e eu olhamos para um objeto exterior a nós, cada um forma imagens comparáveis em seu cérebro. Sabemos disso muito bem, pois você e eu podemos descrever o objeto de maneiras muito semelhantes, nos mínimos detalhes. Mas isso não quer dizer que as imagens que vemos sejam a cópia do objeto lá fora [...]. A imagem que vemos se baseia em mudanças que ocorreram em nosso organismo [...]" (pdf, p. 618).

*Trecho retirado do livro O Mistério da Consciência de Antônio Damásio.





Esse debate é antigo entre filósofos amantes de plantão: será que você vê a mesma cor que eu?


Não estamos falando de daltonismo – uma deficiência na visão que dificulta a percepção de uma ou de todas as cores -, mas de diferenças entre todas as pessoas: por exemplo, quem garante que, apesar de nós dois sabermos que um morango é vermelho porque aprendemos assim, não estamos vendo o mesmo morango vermelho de forma diferente?


Como ainda não descobrimos um jeito de ver as coisas com os olhos dos outros, não sabemos a resposta para isso. Bom, não sabíamos. Recentemente, o pesquisador de visão de cores Jay Neitz, da Universidade de Washington (EUA), publicou um estudo no periódico Nature que afirma que as pessoas não veem as mesmas cores quando olham para objetos semelhantes.

A pesquisa, realizada com macacos, mostrou que apesar do consenso geral de que certas coisas são de certa cor, algumas pessoas podem perceber a cor vermelha como o azul de outra. Como assim?
A pesquisa

Em 2009, os cientistas usaram terapia genética para recuperar a visão de cores de macacos adultos incapazes de distinguir entre tons de vermelho e verde desde o nascimento (a espécie mais comum de daltonismo).

O que eles fizeram foi injetar um vírus nos olhos dos macacos, que lhes permitiam ver o vermelho, bem como o verde e o amarelo.

Quatro meses mais tarde, os animais finalmente podiam ver em quatro cores, pela primeira vez. Surpreendentemente, eles conseguiram dar sentido à nova informação, apesar de seus cérebros não serem geneticamente programados para responder a sinais vermelhos.

Esses resultados, inclusive, sugeriram que a mesma terapia poderia ter sucesso com humanos. Como os macacos foram injetados com genes humanos, que também poderiam ser injetados em nós, o tratamento poderia curar o daltonismo, que atinge aproximadamente 10% dos homens e 1% das mulheres.

Mais além, a terapia poderia funcionar também para restaurar a visão em milhões de pessoas que sofrem de degeneração macular relacionada à idade, a causa mais comum de cegueira em idosos.

No entanto, o mais curioso dessa pesquisa veio depois: intrigados para saber o que os macacos estavam vendo, os cientistas resolveram testá-los para entender o que exatamente eles passaram a enxergar.

A conclusão foi surpreendente: os pesquisadores sugeriram que nossa percepção de cor é moldada pelo mundo exterior, mas não segue nenhum padrão pré-determinado. Isso significa que não há percepção pré-determinada atribuída a cada comprimento de onda.

Segundo a teoria de Young-Helmholtz, a retina possui três espécies de células sensíveis (cones), cada uma responsável pela percepção de uma dada região do espectro luminoso: o vermelho, o verde e o azul, cores primárias que originam todas as outras.

Os estímulos imediatos da percepção visual são os feixes luminosos que, depois de passarem pela pupila, incidem na retina, se convertem em sinais elétricos e são interpretados pelo cérebro.

A cor que você vê depende, então, de quanto é excitada cada espécie de cone. Quando você olha para a luz vermelha, somente os cones de suas retinas sensíveis ao vermelho enviam mensagens para o cérebro, e assim por diante.

Essa teoria tem sido debatida ao longo do tempo. Com o novo estudo de Neitz, cientistas agora acreditam que, embora os cérebros das pessoas tenham uma tendência a se comportar da mesma maneira, os neurônios não são configurados para responder a cor de uma forma padrão.

Além disso, outra pesquisa demonstrou que diferentes percepções de cores não mudam a nossa resposta emocional aos mesmos tons. Por exemplo, as reações das pessoas a cor azul (não importa se a estejam vendo como vermelha) tende a ter um efeito calmante devido aos comprimentos de onda mais curtos de luz que atingem a retina. Já os comprimentos de onda mais longos, como do amarelo, do laranja ou do vermelho, podem tornar-nos mais alerta.

“Eu diria que as experiências recentes nos levam para a ideia de que nós todos não vemos as mesmas cores”, concluiu Neitz. Outro cientista da visão de cores, Joseph Carroll, do Colégio Médico de Wisconsin (EUA), confirma: “Penso que podemos dizer com certeza que as pessoas não veem as mesmas cores”.[DailyMail, Terra,PortalSãoFrancisco]






Fonte da reportagem seu Azul é o Meu Vermelho: Hype Science



*Texto sugerido pela aluna I.S.

Plasticidade cerebral

Plasticidade cerebral: um conceito que pais, alunos e professores deveriam conhecer


ANA MARIA DINIZ

05 Maio 2016 | 10:53


A compreensão de que o cérebro é capaz de remodelar suas próprias estruturas e funções a partir de estímulos externos enterrou o deterministo biológico no funcionamento da mente. Já está na hora de aplicar este conhecimento na educação

O século 20, com suas incríveis descobertas científicas, virou o mundo do avesso. Munido de tecnologia, em menos de cem anos o homem inventou a penicilina, o chip, foi à Lua, voltou, sequenciou o genoma humano, clonou uma ovelha e conectou o mundo por meio de uma imensa rede virtual– só para citar alguns feitos. Também aprendeu coisas que nem imaginava sobre si mesmo.

Plasticidade cerebral



Uma das mais impressionantes diz respeito ao cérebro, a máquina hipercomplexa que possibilitou todas as façanhas descritas acima (e muitas outras). Com a ajuda de aparelhos de neuroimagem e eletromodulação, neurologistas puderam, enfim, observar o órgão em funcionamento. E descobriram que ele mais é plástico, maleável e capaz de remodelar suas próprias estruturas e funções de acordo com estímulos externos e com as necessidades do que se suspeitava.

Isso aconteceu nos anos 90. Até então, predominava a convicção de que, após os primeiros anos de vida, o cérebro adquiria uma estrutura rígida, inalterável. Também era tido como certo que os neurônios, uma vez danificados, não podiam se regenerar.

A esta altura, você deve estar se perguntando: e o que a educação tem a ver com isso?

Muita coisa.

Como escreveu o médico canadense Norman Doidge em o Cérebro Que Se Transforma, best-seller mundial, lançado no Brasil pela Editora Record, as consequências da descoberta da plasticidade são enormes e afetam o cotidiano de cada um de nós. “Essa nova percepção do cérebro enterra qualquer vestígio de determinismo biológico nos distúrbios da mente, nos vícios e no aprendizado”, diz Doidge em seu livro.

Ou seja: trata-se da comprovação científica de que ninguém está fadado a ser de um único jeito para o resto da vida, nem a conviver com limitações e deficiências. Podemos, todos, aprender melhor. Ensinar melhor. E sermos amanhã melhores do que somos hoje.

Eis três exemplos simples de como essa descoberta da neurociência pode influenciar de forma positiva a educação:

-Professores cientes da plasticidade cerebral entendem que seus alunos podem, por meio dos estímulos certos, mudar seus cérebros para melhor, e buscam caminhos para auxiliá-los de forma mais efetiva em suas dificuldades.

– Crianças com dificuldades de aprendizado, se conscientes de que podem aprimorar e adquirir novas habilidades, seriam menos suscetíveis a problemas de baixa auto-estima e falta de motivação,, fatores que afetam de forma negativa o aprendizado.

– Ao entenderem as limitações dos filhos como algo superável, os pais buscariam caminhos alternativos para ajuda-los em vez de se conformar com o baixo desempenho escolar,dando a eles a oportunidade de ser desenvolverem de forma plena.

O problema é que a maioria dos pais, alunos e, principalmente, professores não faz ideia do que seja plasticidade cerebral. Continuam a acreditar que o cérebro é mais menos fixo, como aprenderam na faculdade. Pior: grande parte dos docentes acredita em nos chamados neuromitos – ideias oriundas de informações neurocientíficas mas sem nenhum fundamento, que não passam de especulações ou interpretações equivocadas.

Foi o que revelou uma pesquisa realizada com professores da Inglaterra, Turquia, Grécia, Holanda e China, publicada na Nature Reviews Neuroscience há pouco mais de um ano. Dos professores entrevistados, por exemplo, 90% acreditavam que os alunos aprendiam melhor quando ensinados no seu estilo de aprendizado favorito (visual, auditivo ou sinestésico) e mais da metade dividia a convicção de que o ser humano usa apenas 10% da capacidade seu cérebro – duas afirmações desacreditadas por cientistas sérios.

Como se vê, já passou da hora de a neurociência frequentar a escola.

Fonte: Educação Estadão

Contribuição da aluna M.P.

A terceira Margem do Rio

http://psiquecienciaevida.uol.com.br/ESPS/Edicoes/96/artigo327005-1.asp


Sobre a questão do peso da genética e da cultura na constituição do que somos, me veio à memória um texto de Guimarães Rosa que me parece levantar o véu sobre esta questão. Trata-se de a terceira margem do rio. Imaginei eu que em uma margem está a cultura e na outra a genética, e a terceira margem do rio? Não é o próprio rio? Em movimento? Acontecendo agora! Assim como a terceira margem do rio é o próprio rio, a terceira margem de nós mesmos somos nós mesmos...





A Terceira Margem do Rio

Guimarães Rosa


Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo; e sido assim desde mocinho e menino, pelo que testemunharam as diversas sensatas pessoas, quando indaguei a informação. Do que eu mesmo me alembro, ele não figurava mais estúrdio nem mais triste do que os outros, conhecidos nossos. Só quieto. Nossa mãe era quem regia, e que ralhava no diário com a gente — minha irmã, meu irmão e eu. Mas se deu que, certo dia, nosso pai mandou fazer para si uma canoa.

Era a sério. Encomendou a canoa especial, de pau de vinhático, pequena, mal com a tabuinha da popa, como para caber justo o remador. Mas teve de ser toda fabricada, escolhida forte e arqueada em rijo, própria para dever durar na água por uns vinte ou trinta anos. Nossa mãe jurou muito contra a idéia. Seria que, ele, que nessas artes não vadiava, se ia propor agora para pescarias e caçadas? Nosso pai nada não dizia. Nossa casa, no tempo, ainda era mais próxima do rio, obra de nem quarto de légua: o rio por aí se estendendo grande, fundo, calado que sempre. Largo, de não se poder ver a forma da outra beira. E esquecer não posso, do dia em que a canoa ficou pronta.

Sem alegria nem cuidado, nosso pai encalcou o chapéu e decidiu um adeus para a gente. Nem falou outras palavras, não pegou matula e trouxa, não fez a alguma recomendação. Nossa mãe, a gente achou que ela ia esbravejar, mas persistiu somente alva de pálida, mascou o beiço e bramou: — "Cê vai, ocê fique, você nunca volte!" Nosso pai suspendeu a resposta. Espiou manso para mim, me acenando de vir também, por uns passos. Temi a ira de nossa mãe, mas obedeci, de vez de jeito. O rumo daquilo me animava, chega que um propósito perguntei: — "Pai, o senhor me leva junto, nessa sua canoa?" Ele só retornou o olhar em mim, e me botou a bênção, com gesto me mandando para trás. Fiz que vim, mas ainda virei, na grota do mato, para saber. Nosso pai entrou na canoa e desamarrou, pelo remar. E a canoa saiu se indo — a sombra dela por igual, feito um jacaré, comprida longa.

Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais. A estranheza dessa verdade deu para. estarrecer de todo a gente. Aquilo que não havia, acontecia. Os parentes, vizinhos e conhecidos nossos, se reuniram, tomaram juntamente conselho.

Nossa mãe, vergonhosa, se portou com muita cordura; por isso, todos pensaram de nosso pai a razão em que não queriam falar: doideira. Só uns achavam o entanto de poder também ser pagamento de promessa; ou que, nosso pai, quem sabe, por escrúpulo de estar com alguma feia doença, que seja, a lepra, se desertava para outra sina de existir, perto e longe de sua família dele. As vozes das notícias se dando pelas certas pessoas — passadores, moradores das beiras, até do afastado da outra banda — descrevendo que nosso pai nunca se surgia a tomar terra, em ponto nem canto, de dia nem de noite, da forma como cursava no rio, solto solitariamente. Então, pois, nossa mãe e os aparentados nossos, assentaram: que o mantimento que tivesse, ocultado na canoa, se gastava; e, ele, ou desembarcava e viajava s'embora, para jamais, o que ao menos se condizia mais correto, ou se arrependia, por uma vez, para casa.

No que num engano. Eu mesmo cumpria de trazer para ele, cada dia, um tanto de comida furtada: a idéia que senti, logo na primeira noite, quando o pessoal nosso experimentou de acender fogueiras em beirada do rio, enquanto que, no alumiado delas, se rezava e se chamava. Depois, no seguinte, apareci, com rapadura, broa de pão, cacho de bananas. Enxerguei nosso pai, no enfim de uma hora, tão custosa para sobrevir: só assim, ele no ao-longe, sentado no fundo da canoa, suspendida no liso do rio. Me viu, não remou para cá, não fez sinal. Mostrei o de comer, depositei num oco de pedra do barranco, a salvo de bicho mexer e a seco de chuva e orvalho. Isso, que fiz, e refiz, sempre, tempos a fora. Surpresa que mais tarde tive: que nossa mãe sabia desse meu encargo, só se encobrindo de não saber; ela mesma deixava, facilitado, sobra de coisas, para o meu conseguir. Nossa mãe muito não se demonstrava.

Mandou vir o tio nosso, irmão dela, para auxiliar na fazenda e nos negócios. Mandou vir o mestre, para nós, os meninos. Incumbiu ao padre que um dia se revestisse, em praia de margem, para esconjurar e clamar a nosso pai o 'dever de desistir da tristonha teima. De outra, por arranjo dela, para medo, vieram os dois soldados. Tudo o que não valeu de nada. Nosso pai passava ao largo, avistado ou diluso, cruzando na canoa, sem deixar ninguém se chegar à pega ou à fala. Mesmo quando foi, não faz muito, dos homens do jornal, que trouxeram a lancha e tencionavam tirar retrato dele, não venceram: nosso pai se desaparecia para a outra banda, aproava a canoa no brejão, de léguas, que há, por entre juncos e mato, e só ele conhecesse, a palmos, a escuridão, daquele.

A gente teve de se acostumar com aquilo. Às penas, que, com aquilo, a gente mesmo nunca se acostumou, em si, na verdade. Tiro por mim, que, no que queria, e no que não queria, só com nosso pai me achava: assunto que jogava para trás meus pensamentos. O severo que era, de não se entender, de maneira nenhuma, como ele agüentava. De dia e de noite, com sol ou aguaceiros, calor, sereno, e nas friagens terríveis de meio-do-ano, sem arrumo, só com o chapéu velho na cabeça, por todas as semanas, e meses, e os anos — sem fazer conta do se-ir do viver. Não pojava em nenhuma das duas beiras, nem nas ilhas e croas do rio, não pisou mais em chão nem capim. Por certo, ao menos, que, para dormir seu tanto, ele fizesse amarração da canoa, em alguma ponta-de-ilha, no esconso. Mas não armava um foguinho em praia, nem dispunha de sua luz feita, nunca mais riscou um fósforo. O que consumia de comer, era só um quase; mesmo do que a gente depositava, no entre as raízes da gameleira, ou na lapinha de pedra do barranco, ele recolhia pouco, nem o bastável. Não adoecia? E a constante força dos braços, para ter tento na canoa, resistido, mesmo na demasia das enchentes, no subimento, aí quando no lanço da correnteza enorme do rio tudo rola o perigoso, aqueles corpos de bichos mortos e paus-de-árvore descendo — de espanto de esbarro. E nunca falou mais palavra, com pessoa alguma. Nós, também, não falávamos mais nele. Só se pensava. Não, de nosso pai não se podia ter esquecimento; e, se, por um pouco, a gente fazia que esquecia, era só para se despertar de novo, de repente, com a memória, no passo de outros sobressaltos.

Minha irmã se casou; nossa mãe não quis festa. A gente imaginava nele, quando se comia uma comida mais gostosa; assim como, no gasalhado da noite, no desamparo dessas noites de muita chuva, fria, forte, nosso pai só com a mão e uma cabaça para ir esvaziando a canoa da água do temporal. Às vezes, algum conhecido nosso achava que eu ia ficando mais parecido com nosso pai. Mas eu sabia que ele agora virara cabeludo, barbudo, de unhas grandes, mal e magro, ficado preto de sol e dos pêlos, com o aspecto de bicho, conforme quase nu, mesmo dispondo das peças de roupas que a gente de tempos em tempos fornecia.

Nem queria saber de nós; não tinha afeto? Mas, por afeto mesmo, de respeito, sempre que às vezes me louvavam, por causa de algum meu bom procedimento, eu falava: — "Foi pai que um dia me ensinou a fazer assim..."; o que não era o certo, exato; mas, que era mentira por verdade. Sendo que, se ele não se lembrava mais, nem queria saber da gente, por que, então, não subia ou descia o rio, para outras paragens, longe, no não-encontrável? Só ele soubesse. Mas minha irmã teve menino, ela mesma entestou que queria mostrar para ele o neto. Viemos, todos, no barranco, foi num dia bonito, minha irmã de vestido branco, que tinha sido o do casamento, ela erguia nos braços a criancinha, o marido dela segurou, para defender os dois, o guarda-sol. A gente chamou, esperou. Nosso pai não apareceu. Minha irmã chorou, nós todos aí choramos, abraçados.

Minha irmã se mudou, com o marido, para longe daqui. Meu irmão resolveu e se foi, para uma cidade. Os tempos mudavam, no devagar depressa dos tempos. Nossa mãe terminou indo também, de uma vez, residir com minha irmã, ela estava envelhecida. Eu fiquei aqui, de resto. Eu nunca podia querer me casar. Eu permaneci, com as bagagens da vida. Nosso pai carecia de mim, eu sei — na vagação, no rio no ermo — sem dar razão de seu feito. Seja que, quando eu quis mesmo saber, e firme indaguei, me diz-que-disseram: que constava que nosso pai, alguma vez, tivesse revelado a explicação, ao homem que para ele aprontara a canoa. Mas, agora, esse homem já tinha morrido, ninguém soubesse, fizesse recordação, de nada mais. Só as falsas conversas, sem senso, como por ocasião, no começo, na vinda das primeiras cheias do rio, com chuvas que não estiavam, todos temeram o fim-do-mundo, diziam: que nosso pai fosse o avisado que nem Noé, que, por tanto, a canoa ele tinha antecipado; pois agora me entrelembro. Meu pai, eu não podia malsinar. E apontavam já em mim uns primeiros cabelos brancos.

Sou homem de tristes palavras. De que era que eu tinha tanta, tanta culpa? Se o meu pai, sempre fazendo ausência: e o rio-rio-rio, o rio — pondo perpétuo. Eu sofria já o começo de velhice — esta vida era só o demoramento. Eu mesmo tinha achaques, ânsias, cá de baixo, cansaços, perrenguice de reumatismo. E ele? Por quê? Devia de padecer demais. De tão idoso, não ia, mais dia menos dia, fraquejar do vigor, deixar que a canoa emborcasse, ou que bubuiasse sem pulso, na levada do rio, para se despenhar horas abaixo, em tororoma e no tombo da cachoeira, brava, com o fervimento e morte. Apertava o coração. Ele estava lá, sem a minha tranqüilidade. Sou o culpado do que nem sei, de dor em aberto, no meu foro. Soubesse — se as coisas fossem outras. E fui tomando idéia.

Sem fazer véspera. Sou doido? Não. Na nossa casa, a palavra doido não se falava, nunca mais se falou, os anos todos, não se condenava ninguém de doido. Ninguém é doido. Ou, então, todos. Só fiz, que fui lá. Com um lenço, para o aceno ser mais. Eu estava muito no meu sentido. Esperei. Ao por fim, ele apareceu, aí e lá, o vulto. Estava ali, sentado à popa. Estava ali, de grito. Chamei, umas quantas vezes. E falei, o que me urgia, jurado e declarado, tive que reforçar a voz: — "Pai, o senhor está velho, já fez o seu tanto... Agora, o senhor vem, não carece mais... O senhor vem, e eu, agora mesmo, quando que seja, a ambas vontades, eu tomo o seu lugar, do senhor, na canoa!..." E, assim dizendo, meu coração bateu no compasso do mais certo.

Ele me escutou. Ficou em pé. Manejou remo n'água, proava para cá, concordado. E eu tremi, profundo, de repente: porque, antes, ele tinha levantado o braço e feito um saudar de gesto — o primeiro, depois de tamanhos anos decorridos! E eu não podia... Por pavor, arrepiados os cabelos, corri, fugi, me tirei de lá, num procedimento desatinado. Porquanto que ele me pareceu vir: da parte de além. E estou pedindo, pedindo, pedindo um perdão.

Sofri o grave frio dos medos, adoeci. Sei que ninguém soube mais dele. Sou homem, depois desse falimento? Sou o que não foi, o que vai ficar calado. Sei que agora é tarde, e temo abreviar com a vida, nos rasos do mundo. Mas, então, ao menos, que, no artigo da morte, peguem em mim, e me depositem também numa canoinha de nada, nessa água que não pára, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro — o rio.


Texto extraído do livro "Primeiras Estórias", Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 1988, pág. 32.


Contribuição da aluna D.M.

Iniciando nossas conversas

Neste espaço pretendemos discutir as relações entre Neurociência e educação compartilhando multi-materiais de autores consagrados sobre o tema, assim como indicações de livros, artigos e teses. O nosso objetivo é o de criar um espaço indexado pelo Google onde qualquer professor ou pessoa interessada no assunto  possa ter acesso aos textos e discussões da disciplina Neurociência Cognição e Linguagens ministrada pelos professores Marcelo Bairral e Márcia Pletsh, portanto, a seleção de materiais que vocês encontrarão neste espaço são fruto da contribuição de todos os atores desta disciplina oferecida no primeiro semestre de 2016. O nosso papel aqui é o de organizadoras deste material.

Para abrir este repositório trazemos a palestra do neurocientista Antonio Damasio sobre o mistério da consciência.